Lutamos ainda, sim: contra os moinhos, gorilas e "vândalos".
|
Lutamos ainda, sim:
contra os moinhos, gorilas e “vândalos”.
Por Flavia Wass jornalista
Quem poderia imaginar que o criminoso
deste conto “Os crimes da Rua Morgue”, não seria um humano? Considerando ser
Dupin o detetive e Edgar Allan Poe o escritor, nada se pode contestar, mesmo
porque, Poe é o inventor do gênero ficção policial, em plena metade do século
XIX. Este seu personagem Arsène Lupin criado para um gênero caracteristicamente
urbano, encabeça a lista de outros detetives famosos na história da literatura,
como Sherlock Holmes de Arthur Conan Doyle e o inspetor Maigret de Georges
Simenon. Contudo comparar Dupin, no caso da “Rua Morgue”, ao Quixote
(Cervantes) seria talvez, uma forma de tentar entender a genialidade tanto do
autor, que se mistura a do personagem e coloca o leitor nas vezes da testemunha
ocular.
Clasico del Quijote, sino de a lucidez extrema. Dupi n è la
figura misma del gran razonador. La
lectura no ès aqui la
(ausa de la enfermedad, o su signo; más
bien toma a forma
de um diferencia, de um rasgo distintivo;
parece más um
efecto
de a extrañeza que su origen. ( Piglia Ricardo, O último leitor).
Neste caso, Auguste Dupin também se realiza através
do dialogismo com o narrador, o qual divaga no início do conto sem dar-se muita
importância, um auto referencial, usa da metaliteratura. Inclusive, questiona a
esquisitice deste seu “amigo” em seu gosto um tanto particular pelo analítico,
minucioso com tanta ênfase nos detalhes. Sem esquecer, o amor aos livros comum
aos dois personagens. Convém sublinhar os vários olhares das testemunhas sobre
o crime, as múltiplas perspectivas oferecidas ao “detetive”, que não o era na
realidade, desafiam o improvável e a polícia. Como Quixote nunca foi
cavalheiro. Mas, sem dúvida, neste caso detetivesco, o autor insere neste
contexto a metaliteratura com os textos dos depoimentos das enumeras
testemunhas.
E o que tinham em comum eram ruídos de diferentes
línguas na multidão. Quem sabe a voz do estrangeiro perdido na cidade, a esmo
ao enfrentar suas desventuras. Continuava Dupin mergulhado nas múltiplas perspectivas
apresentadas. Então, começa com um personagem singular e se transforma num
processo de linguagem e nada fixo.
Dupin, um sonhador, lunático,
louco se compromete a uma aventura justa que vai enfrentar seus “moinhos”.
Porque não mencionar o processo de auto realização em contínua transformação
característico da literatura moderna. Ainda, os personagens se entendem ao
longo do conto e como o personagem mostra-se como louco ou não é através das
ações e do diálogo.
(Se
a rotina da vida que ali levávamos viesse a ser conhecida do mundo, ter-nos-iam
como
doidos
ou, talvez, por simples malucos inofensivos... Nossa reclusão era completa. Não
recebíamos
visitas. Para dizer a verdade, tínhamos mantido sigilo absoluto a respeito do
lugar
de nosso retiro até mesmo para com nossos antigos camaradas. Havia muitos anos
que
Dupin cessara de travar novos conhecimentos, ou de ser conhecido em Paris.
Vivíamos, pois,
sozinhos os dois).
Assim, as semelhanças diminuem em seu tamanho, pois
se trata de um conto. Em síntese, ao desvendar este mistério novamente a
surpresa beirando ao cômico. Quem matou não passa de um gorila. No entanto,
quem descobriu foi o recluso, o marginal, o tipo antissocial que afastado do
convívio social consegue ter um olhar atento, astuto e diferente de quem está
literalmente emaranhado na massa, é Dupin, o “homem perdido na multidão”.
#serbrasilblog
Comentários
Postar um comentário