Lutamos ainda, sim: contra os moinhos, gorilas e "vândalos".




foto: Egberto Nogueira/imafotogaleria — em Avenida Presidente Antônio Carlos.

Lutamos ainda, sim: contra os moinhos, gorilas e “vândalos”.

Por Flavia Wass jornalista

Quem poderia imaginar que o criminoso deste conto “Os crimes da Rua Morgue”, não seria um humano? Considerando ser Dupin o detetive e Edgar Allan Poe o escritor, nada se pode contestar, mesmo porque, Poe é o inventor do gênero ficção policial, em plena metade do século XIX. Este seu personagem Arsène Lupin criado para um gênero caracteristicamente urbano, encabeça a lista de outros detetives famosos na história da literatura, como Sherlock Holmes de Arthur Conan Doyle e o inspetor Maigret de Georges Simenon. Contudo comparar Dupin, no caso da “Rua Morgue”, ao Quixote (Cervantes) seria talvez, uma forma de tentar entender a genialidade tanto do autor, que se mistura a do personagem e coloca o leitor nas vezes da testemunha ocular.  

Clasico del Quijote, sino de a lucidez extrema. Dupi n è la
figura misma del gran razonador. La lectura no ès aqui la
(ausa de la enfermedad, o su signo; más bien toma a forma
de um diferencia, de um rasgo distintivo; parece más um
efecto de a extrañeza que su origen. ( Piglia Ricardo, O último leitor).

Neste caso, Auguste Dupin também se realiza através do dialogismo com o narrador, o qual divaga no início do conto sem dar-se muita importância, um auto referencial, usa da metaliteratura. Inclusive, questiona a esquisitice deste seu “amigo” em seu gosto um tanto particular pelo analítico, minucioso com tanta ênfase nos detalhes. Sem esquecer, o amor aos livros comum aos dois personagens. Convém sublinhar os vários olhares das testemunhas sobre o crime, as múltiplas perspectivas oferecidas ao “detetive”, que não o era na realidade, desafiam o improvável e a polícia. Como Quixote nunca foi cavalheiro. Mas, sem dúvida, neste caso detetivesco, o autor insere neste contexto a metaliteratura com os textos dos depoimentos das enumeras testemunhas.
E o que tinham em comum eram ruídos de diferentes línguas na multidão. Quem sabe a voz do estrangeiro perdido na cidade, a esmo ao enfrentar suas desventuras. Continuava Dupin mergulhado nas múltiplas perspectivas apresentadas. Então, começa com um personagem singular e se transforma num processo de linguagem e nada fixo.
Dupin, um sonhador, lunático, louco se compromete a uma aventura justa que vai enfrentar seus “moinhos”. Porque não mencionar o processo de auto realização em contínua transformação característico da literatura moderna. Ainda, os personagens se entendem ao longo do conto e como o personagem mostra-se como louco ou não é através das ações e do diálogo.

(Se a rotina da vida que ali levávamos viesse a ser conhecida do mundo, ter-nos-iam como
doidos ou, talvez, por simples malucos inofensivos... Nossa reclusão era completa. Não
recebíamos visitas. Para dizer a verdade, tínhamos mantido sigilo absoluto a respeito do
lugar de nosso retiro até mesmo para com nossos antigos camaradas. Havia muitos anos
que Dupin cessara de travar novos conhecimentos, ou de ser conhecido em Paris.
Vivíamos, pois, sozinhos os dois).

Assim, as semelhanças diminuem em seu tamanho, pois se trata de um conto. Em síntese, ao desvendar este mistério novamente a surpresa beirando ao cômico. Quem matou não passa de um gorila. No entanto, quem descobriu foi o recluso, o marginal, o tipo antissocial que afastado do convívio social consegue ter um olhar atento, astuto e diferente de quem está literalmente emaranhado na massa, é Dupin, o “homem perdido na multidão”.

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