Caiu na Rede







 Por Ailton Pereira

Confesso que quando me inscrevi para o minicurso “Encontre o fio da meada” na V semana acadêmica de letras eu imaginei que seria algo do gênero “Como, por meio das práticas de escrita, atingir seus objetivos”, algo relacionado a produção textual. É engraçado como só vemos o que estamos acostumados a ver, faço Letras/Português. Mas não é que eu estava certo, o minicurso tratava exatamente da maneira que escrevemos nossas vidas. Ou como ela é escrita por não sei quem. Abordava exatamente uma maneira de reescrever nosso texto, uma reflexão acerca da nossa escrita de cada dia.
E aqueles que estavam acostumados a ficarem sentados na cadeira, copiando o texto deslocado do quadro, de repente, se viram andando no meio da sala, declamando poema, enxergando o próximo, estando presentes, questionando e refletindo sobre as legitimidades sociais. Verdadeiros atores. Por isso classifico como escrita, como produção textual.
Diante dessa experiência e desse pensamento percebi que, na verdade, antes da produção, necessariamente havia a leitura, a escuta. Toda a motivação proporcionada pela forma como o minicurso foi conduzido, não somente pela ministrante, mas por todos os atores que ali estavam. Motivação, que a cada dia é mais raro de encontrar nas ruas, na esfera acadêmica, nas pessoas, tão ocupadas em seus deveres diários.
Parece que quando acordamos, assim como uma tarefa matinal, entortamos nossa coluna, e da mesma forma que vestimos uma roupa, vestimos o peso dos deveres. Todo o peso em nossas costas, séculos de organização social agrupados sobre nosso corpo, uma história que pesa e nos modela. E de repente o cérebro começa a funcionar como um computador, os compromissos gritam nos nossos ouvidos. Fazer isso, isto, aquilo. Terminar X, começar X,Y,Z. Comprar A, pagar A,B,C. E nessa vestimenta diária soma-se preocupações, obrigações, discriminações, auto-flagelo, tudo no mesmo pacote. E a identidade, a subjetividade passa a ser tão concreta quanto uma carteira.
Você passa a ser o “Peso”, seus gestos e suas vozes não são legitimadas pela sociedade. E no decorrer do dia não é mais você que carrega o peso nas costas, mas o peso que carrega você. Que o empurra para algum beco.
E, às vezes, no meio do trânsito diário eu me questiono, seja em casa, na UFSC, na praia, Onde estou? Por que estou? E a resposta não justifica, e a palavra acostumado se acostuma.
Então pergunta-se, Que passos são esses? Que pés são esses? Que caminhada é essa? É caminhada ou pagamento de castigo? Onde a estrada desemboca? Tem um fim? É o fim da meada? E onde encontro o fim da meada?
Só pergunta quem pode falar, quem pode agir, quem pode atuar. Quem não se oprimi na platéia.
Por isso, um projeto com tal nome e propósito é tão convidativo, tão instigante, tão importante, e, não menos importante, tão curioso.
E, talvez, a acomodação com o que nos é imposto se torne apenas uma opção.

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