Livro / Brasilitária: A Humanidade no Povo da Rua



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Capitulo I  A PrimaVera Desconhecida

Em pleno calor, de um Fevereiro de 1993, Giordana sacolejava dentro de um ônibus com a enorme confiança de que tudo daria certo. Deixa a cidade natal rumo ao desconhecido. Mal conhecia onde estava indo, enquanto mais, que esta iniciativa, em breve a levaria para tão longe do seu País. Depois da viagem mágica, com direito a pôr-do-sol, conversar e cantar com seu vizinho de poltrona, portador de uma diferença entre os ditos iguais e normais, carregar as energias de um ânimo novo, tem a impressão nítida. Talvez uma espécie de osmose e passou a carregar uma fé inabalável, daquelas que nem santo consegue demover da idéia de continuar.
Um pouco assustada ao sair do espaço seguro e colocar o pé na estrada, à noite, sozinha, pois saiu de uma capital onde estava iniciando um processo de violência. Um dos fatos que a fez viajar e investigar a vida nesta pacata ilha de poucos habitantes, ainda, apesar de também ser uma pequena e linda capital. Com resquícios de um recente assalto, prosseguiu sem pensar nos traumas, deixando-os para trás.
Sabia o trajeto, através das instruções da amiga de um amigo, a qual nunca tinha visto. Falaram ao telefone e com um pouco de esforço concordou no abrigo, apenas por alguns dias. Na expectativa de quem a receberia, pois de longe parecia fria, apressou o passo ao sentir a presença de alguém, que de tão rápido, surge como um anjo, oferecendo ajuda para carregar sua pouca bagagem. Era um senhor simpático, de meia idade, forte e boa estatura e sem apresentar cansaço de nada. Perguntou o bairro, ao qual estava indo. Conversaram amenidades sobre como pegar o transporte público e indicou o caminho, acompanhado-a com disponibilidade. Entraram na mesma condução e, em seguida, num piscar de olhos, a fez descer na porta do prédio, com um sorriso daqueles, dos satisfeitos com a vida.
Quando a porta abriu e vislumbrou aquela figura duendica, pequena, frágil, com cabelos crespos descendo pelos ombros, como das bruxinhas de qualquer história infantil, rindo num doce acolhimento, relaxou.
Pediu que Giordana entrasse, um tanto tímida, ofereceu água, assento e gestos de carinho. Não parecia de verdade tudo aquilo e para surpresa maior, seu nome era Vera, de primavera, alegria, uma flor delicada, cheirosa e agradável, uma estação cheia de cor.
Seria este o impulso, a primeira parada, de um novo primaveril recomeço, em meio ao mês carnavalesco.
Para aquecer o clima, apesar do calor, decidiram descer ao bar da esquina, pois a noite e a ocasião pedia uma comemoração à mútua empatia, com uma cerveja bem gelada. Com batatas-fritas, é lógico. Quando a hóspede deu a idéia, descobriu um dos maiores prazeres, que fazia a sua anfitriã ficar com outra fisionomia, antes mesmo de ingerir a bebida. Só de sentar no ambiente propício ao deleite, modificava sua anatomia, postura mais erguida, aura expandida, uma liberdade que ia além do teor alcoólico da “branquinha”.
Transcorreram os anos, o que seria um pouso, alçou um vôo de longas conversas, estimulantes confidências, parceria de abraços calorosos, a cada idas e vindas.
Entre tantas mesas, aquela em outro ano, a de 2003 seria mais uma, outra tarde ensolarada de calor, porém as duas estavam diferentes. Escolheram o “ Café da livraria Catarinense” , agora, no centro da cidade as duas foram até lá quietas e caminhavam lado à lado.
Não menos amigas, mais maduras, centradas, deixando o silêncio eclodir, o tempo fluir e sentindo o pulsar do momento presente.
Consistência, peso e quilômetros percorridos. O filho de Giordana que tinha 4 anos, agora estava com 14, o casamento deu um salto qualitativo, após algumas mudanças espaciais, físicas e transcedentais. Por que apreenderam o significado das palavras cidade, casa, trabalho, estudo e amigos.
Pediram desta vez café, para combinar com o ambiente intelectual daquela livraria. Talvez ali, estivesse o motivo ou falta de motivação:
E tornava Vera menos verídica.
Também curiosa. Para saber como Giordana crescera. De uma “sem teto”, passa a ter e-mail italiano, casa própria, 15 anos casada com o mesmo homem e de viagem marcada para retornar à Itália, a qual vinha fazendo, há 3 anos, ponte aérea entre a capital do Papa e a ilha de Florianópolis.
Procurando um meio de contar para amiga socióloga, conhecedora de como esta jornalista, cética da profissão dos sociólogos, até então, achava-os teóricos esnobes, excêntricos, acomodados e alternativos, foi parar em uma escola das Ciências Organizativas, justo à convite de um mestre renomado na arte desta ciência social. Por sinal e “per caso”, vendendo “un saco” de livros no Brasil.
Sociável, Vera com a mesma calma e paciência dos “homenzinhos” da mata, esperou todo tempo do mundo. Afinal, tinha seus privilégios de saber, em primeira mão, tudo até ali. Da mera pretensão de trabalho em uma empresa de comunicação, veio a ser um projeto de vida, o paradigma de uma filosofia, uma missão perseguida.
Uma jornalista procurando palavras para explicar, que o bem querer e desejar crescer, nunca vem do nada. Precisa de estimulo e nem todos tem ou sabem aproveitar quando lhes é dado. O esforço, dedicação, perseverança, estudo e coragem são fundamentais. Refinar. Educar a ação. Acreditar no talento, uma pitada considerável de auto- estima, passaram a ser seus segredos para receptividade de público e mídia, quando ministrava cursos e palestras sobre Qualidade, Moda, Arte e Comunicação.
Qualidade: esta trilha que a levou, “toda vida”, até chegar na ilha da magia, foi eleita a investirem todos os sonhos desta pequena e jovem familia, descobriram a leveza de um povo que trata a gente de “nega”, “querida” e olha no olho.
Sua tese mencionava: somente podemos sentir “ser alguém” se soubermos nos relacionar, a começar por nós, ou seja, é um quase e excessivo ralar, fricionar, moer, triturar até amolecer, para acionar emoções.
Sua tese, lia e relia até transformar-se em paradigma:

“Hoje, a busca pela beleza, torna pessoas mais escravas de imagens, do que propriamente belas por natureza.”

Saudável reconhecer neste povo simples, amigo, menos politizado, com uma cultura única, a certeza evidente, latente e instintiva, de saber a importância do próximo no caminho.
Assim foram seguindo...e perseguindo....pensamentos,frases, livros, conversas.....
Encontraram gente calma, amiga, passifica e tranqüila. Tiraram o pé do freio. Em três intensos meses, Giordana fez mais do que na capital de origem e “adiantada”. Para espanto de muitos, ministrava seu curso em um Instituto Italiano, o Veneto. Paralelo trabalhava em uma emissora de televisão, com um quadro de moda e comportamento e em seguida passou para área de rádio, na primeira empresa de comunicação, com o mesmo enfoque. Chamou atenção com o texto inteligente, quer dizer, interligado para ser humano, criativo e bem humorado.Cinco vezes ao dia, de segunda a sexta, seu nome era mencionado. Dois anos!
Queria mais e buscava: até este ponto a socióloga sabia. A pergunta continua no ar. Como chegou neste sociólogo? Todos queriam saber o caminho das pedras.
O instinto de preservação, discrição e concentração falaram sempre mais alto.

“Tem o direito de permanecer calada, até que chegue o seu advogado”.

Justiça: cidadania, direito de privacidade, andar pleno e ser consciente consiste em ser cônscio de termos uma consciência. Com a ciência deveríamos estar munidos e vestidos, sempre. Possuimos a poção e não sabemos usar. Um tubo de ensaio único, uma fórmula parada, fadada ao desuso e acúmulo de impurezas. Imagina: se todos usassem e gostassem, do direito, da filosofia, da matemática, da geografia, da engenharia, da sociologia, da comunicação para exprimir-se. Usamos somente 10% da nossa capacidade cerebral, mas do resto, ter, consumir, se eximir de expandir temos de sobra.

Volta do seu mergulho, pega o ar e sabe o quanto precisa de preparo.

A tarde caía e aquela pergunta fez Giordana recolher-se em seus pensamentos. Veio tudo como num filme. A fita desenrolou. Anos vividos com afinco. Uma resposta deixada no vácuo de um sentimento acrescido do desejo de realizar sua meta, usando a física, o compasso e a régua.
Como num levantar de cortinas o cenário modifica.
Reentra no ambiente das mesas, distribuídas para indivíduos ficarem submersos em pequenos problemas, fugindo de uma realidade extrema, um choque de fraternidade.
Os olhares voltaram-se para aquela figura alegre, colorida e cômoda com a fantasia. Sem indicações para o sexo, mas no caso, uma mulher bem feminina, quando falava se traía com a voz doce e açucarada. Recitava, cantava, dançava e conversava com o sexo femino para lembrar o dia e ocasião do calendário cristão: Dia das mães!
Sentiu um calafrio.
Giordana deparava-se com um desafio.

Por um fio! Salva!

O filme arrombou sua cabeça e virou um desenrolar da meada, desatou o nó, desenosou as amarras que atravancava a alma.
O povo da rua entra para dizer continua, segue teu caminhar com a certeza de nenhuma segurança, a não ser a de que, a natureza reina.
Absoluta!
O universo conspira.
Ela, a Mãe natureza dá conta de tudo.
Pensou...
Estão submersos no “sucesso”. Esquecem do sangue que corre nas veias.
Emoção?
Na televisão, nos dramas dos telejornais, a estética do sadismo.
Naquele ínterim, percebe o quão não precisa dar explicação.
Ação é mais urgente.
Lembrou de quando questionou, pela primeira vez, para uma platéia, dizem “bem na fita”, em uma casa de cultura, ainda na sua cidade.
- Vocês tem o que comer? E o que vestir? Tem condições de comprar e ler bons livros? Todos respondiam afirmativo com a cabeça.
- E são felizes?
Um silêncio mais mortal do que de seres pouco vivos!
- Pois bem, a partir de hoje todos vocês tem obrigação de fazer algo para modificar a realidade e isto de forma grata, alegre, satisfeita e feliz.
- Agradeçam por estarem com saúde e poderem tomar uma atitude. Se vocês não puderem fazer quem o fará?
Em seguida pede dois voluntários.
Alguns segundos e de luz apagada, deveriam tirar a roupa e ficarem nús como vieram ao mundo.
O momento é tenso, um tremendo alvoroço.
Como desmontar a “atitude”? Horas de “shopping”.
Resultado: na hora que a lição solicita olhar-se no espelho vestidos, somente uma espiadela rápida e de soslaio.
Incrível é arriscar usar o instinto e gerar boas virtudes sem abusar do ego absurdo. Aliás, surdo! Nega-se ouvir a essência.
Estes acontecimentos parecem tão presentes, como se insistissem em não fazer parte do passado.
Demoraria.
Acaba de deliciar-se com a sensação que a provoca.
Porto Alegre. Trocou de porto, continua alegre. Parece hoje. Recém mãe, uma jovem precoce nos altos dos vinte e poucos anos e borbulhando hormônios mentais, sexuais e fundamentais, com um filho mais lindo, um buda, vivo, saudável, olho chinês, alegre e faceiro.
Saíram do parque da redenção para a lagoa da conceição.
Concebeu. Deu a luz, realizou e o resultado:
Um filho bem criado, um companheiro que a estimula a cada momento a ser uma pessoa melhor.

Descobriu!
A cortina caiu.

Se chegou até este ponto, foi através da ajuda solidária, das pessoas da rua.
As portas estão sempre abertas, afinal nem existem, sem perguntas, não te julgam, te ajudam, te acolhem, dividem, amortizam o que é irremediável: a dor dos que estão à margem.

Marginais.

São todos os que passam e não olham o abandono.
Quem é covarde e deixa para que outro “alguém” tome uma providência.
Evidente o descaso.
Absorta deu-se por conta. Devia ficar atenta ao teatro.
Engraçado atuar, analisa. Tudo depende de nossos atos.
Naquele instante, percebe a atriz, ocupando o espaço e vindo em sua direção.

Indaga:

- E você, quanta elegância, uma bela mulher! É mãe?

Esperava a negativa.
Sem exitar, Giordana responde com orgulho e boca cheia:

- Sim. De um menino lindo, grande, forte, robusto e hoje, maior do que eu!

A atriz atuante ficou surpresa e encantada retribuiu.

- Então, ganhou este poema!

Disse com os olhos brilhantes de admiração compassiva.
Pegou a folha de papel, escrita a mão, daqueles cadernos pequenos, florzinhas pintadas delicadamente com canetas hidrocor.
Por um momento, confundiu a situação com as trocas de confidência, agrados e carências juvenis com suas colegas de colégio.
Aquele gesto a remeteu para todas as pessoas, as quais poderiam ser chamadas de “estranhas”, mas a comoveram de tal forma, com atitudes, palavras e gestos. Pensando neles e com eles entrando a todo instante em seu cérebro, a razão de hoje, seu coração acalentar o possível viver sem esconder-se.
Tentar em nome dos nomes que muitas vezes nem registro tem!

Num segundo veio a sua mente quase todos:

A gari, a florista Sonia do convento, Beatrice, Maria Grazia, a professora de italiano Louris, o garçom Afonso, o Bruno do bar, o militar Antonio, Giovani e monalisa no aeroporto, Simona e Gean, a secretaria Daniela, o senhor do ônibus, Dona Iliana da casa laranja, sua amiga Graça de Cruz Alta, sua colega de dança e depois aluna Rita, a dançarina e amiga Silvana, o publicitário Toninho e também colega da academia de dança Fama, o amigão vitor e seu chimarrão, a amiga do peito e linda esotérica Liane, primo-irmão Daniel, Dona Norma rendeira, a Manoela de Artena, a menina Raquel, a Sara, a Cristina B, a senhora da tutela da criança, o Enio e Surban do Tarô, o guru Clóvis, o Tilasmi, a Ganda, a Prachanto, a Rushi, o Guilherme aluno de fotografia do Bira, o Mantovani de Zortéa, o Celso da Fecam, a Sonia professora da alfabetização, o Julio Zé do Pão,  o policial Lúcio, a bela Tiziana, a doce Francesca, Amélia, Mariela, Cinzia, Rocco, Felice Arcuri, Elisabeta, o dolce Domenico da Fiat, a cozinheira do convento Luiza, o gerente do convento Giusepe, o pirata do convento, a arrumadeira do convento Fiorela, O Fabrizio da Cruz Vermelha, o mendigo do metrô, Bruno, o militar Antoni Marasco, Dr. Mento Generodso Beretti, os Varellas, professor Aires, Lélia e Carlos, Duda, Marcelo e Fernanda da acadêmia Vitae, Poci studio de dança, Dino da Embratel, Zéca do Dac Ufsc, Adriana Espindola Ufsc, Roberto Arquiteto Museu Victor Meirelles, Silvana de Gaspari do Nucleo Neiita/ UFSC e finalmente,  o mestre e amigo Domenico De Masi que, com sua companheira também socióloga, a Susi. Abriram as portas da sua casa, escola, do conhecimento e da Itália, seu companheiro de amores e dores Bira Dias, seu amado filho Jivan......

Sua amiga Vera sentada, esperando confidências, este poema da atriz, essa gente “da rua”, os “meio da rua”, como verdadeiros anjos de guarda, os competentes e queridos professores. Enfim, o teatro mambembe. Servem para modificar as entranhas enferrujadas de artimanhas, que somente fazem cegar.

Finalmente Giordana parou e leu o poema que dizia:


CORAÇÃO CONFIANTE

“ O coração que sente vai sozinho
Arrebatado, sem pavor, sem medo.
Leva dentro de si raro segredo
Que lhe serve de guia no caminho...” ( Cruz e Souza)

Compreendeu:

Prima em italiano é primeira e Vera, verdadeira!

Encantada, tomada pelas almas abençoadas, meditativa, continuou a relembrar da gente:

Dona Norma, a rendeira que a fez prometer nunca cortar o cabelo, a moça do correio gritava alto:

- Linda, linda, linda. Sim, é você mesma, é muito linda!

Um estímulo com início no Brasil, na ilha em Flor e prolongou-se até a Itália, na Roma, que ao contrário lemos e temos amor.
As manifestações de afeto eram tantas.
Um mar e amar de pessoinhas aclamando, empurrando, conclamando, quase implorando numa suplica confiante.




Resolveu revolver e transformar, gritaria se fosse preciso, em alto e bom som:

- Voltar minha atenção ao que for relevante.
Fazer um verdadeiro levante.

Esbravejou.
- Dispendo minha energia e emoção para jamais frear a indignação.
Estou pronta. Devo me anunciar.
Giordana W, do Brasil, solitária.
Como um diamante será lapidado.
Sou mais uma.
Da onde venho tem vários, desconhecidos, solitários e talmente solidários. Continua......

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