Em defesa desse ponto



Resenha Livro Legitima Defesa Livro Lucia Sotero
Por Flavia Wass Jornalista
Em defesa desse ponto
A história de Julia é também, das infindáveis mulheres invisíveis, que passam todos os dias onde fazemos a feira, ou no mercado mais próximo, atravessam a rua raspando seus braços ou cotovelos por toda gente. Espreitam a esperança de quem sabe, aquele alguém mais sensível, o ser atento, solidário possa entender ou intuir um pedido de socorro através do olhar ou outros sinais como excesso de nervosismo, choros fora de hora, irritação, um olho roxo, hematomas pelo corpo e desleixo com a aparência evidenciem seu pedido de socorro. Aí está o ponto! Quem quer saber se as Julias, Marias, Jaquelines, Odetes, Sofias e muitas milhares, desesperadas estão multiplicando-se a cada segundo ou sofrendo nas mãos de seus maridos ou “companheiros psicopatas”, que matam por motivos sórdidos em nome da “Legitima defesa da honra”? O livro Legitima Defesa de Lucia Sotero, editado pela Chiado, acima de tudo é uma denúncia e conta a saga de Julia Grosberg em meados dos anos sessenta. Chama atenção, por continuar atualíssimo, salvo que, agora se fala mais e sem pudores sobre a cultura do machismo. Além disso, hoje surgem diversos termos em defesa do feminino e feminismo alavancando o desnudamento dos absurdos vindos em enxurradas por todos os lados. De estupros coletivos a mal tratos escancarados sem escolher credo ou classe.
Em Legítima Defesa era no início da liberação feminina, acesso à pílula e a opção do sexo antes do casamento, que ainda podia ser motivo de pré-conceito e discriminação masculina. Elas apareciam mortas e a lei os legitimava. Porém, o enredo dessa narrativa conta com mulheres fortes. Desde a investigativa e astuta jornalista Bruna, a corajosa e destemida Julia, a qual não mede esforços, mulher leoa, daquelas incansáveis em defesa dos filhos e da própria felicidade. Capaz de atravessar os oceanos, mudar de vida, trocar de identidade, simular a morte, abrir mão de tudo e recomeçar. Culminando com as mulheres fundadoras da associação clandestina As Marias, pois estavam sempre alertas, armadas literal e de corpo presente, ajudando nas fugas e fornecendo as armas indispensáveis no plano contra a famosa legítima defesa, a qual, eles alegavam depois de matá-las. E, em defesa própria, a fuga era consumada de forma perfeita, através das Marias. Começaram com um caso e outro e os grupos foram organizados por todo Brasil. A questão central é: “hoje aprenderemos um novo ponto”, código usado no telefone ao marcarem suas reuniões para salvar mais uma mulher subjugada, presa, escravizada, psicologicamente torturada, ameaçada de morte quando não morta por seus homens, que chegaram de mansinho, oferecendo flores e uma vida de rainha. Qual ponto dessa antiga história será necessário desenhar, anunciar, denunciar, gritar, esbravejar às iniciativas públicas? Essas, com toda certeza, deveriam ser responsáveis pelas campanhas, por informação e educação, uma formação em prol de uma sociedade igualitária e justa. Nesse ponto, avançamos pouco, apesar da lei Maria da Penha, continuamos desguarnecidas na grande maioria das cidades do interior brasileiro e nossas autoridades muito aquém do que precisamos.

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